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Obra de Peter Gibson, também conhecido como Roadsworth |
Tudo começou quando estava
displicentemente alcançando a faixa para atravessar a rua. Rápido, um carro
esgueirou-se no outro que estava prestes a deixar a vaga. Óbvio que essa
proximidade entre os veículos não podia ser saudável para ambos. O carro que
passou, levou consigo o retrovisor do que se preparava para deixar a vaga. Não
informei antes, mas da posição em que me encontrava podia ver o condutor do
carro que saia da vaga, por isso consegui perceber a mudança nas feições do
rosto. Em poucos segundos, uma aparência comum, quase transparente, como a de
muitas pessoas que passam por nós, se transformou em linhas emaranhadas e toque
áspero.
O objetivo era claro, alcançar o
carro que lhe havia extraído um órgão, sem anestesia nem consentimento. Pegá-lo
na esquina, cavar-lhe as entranhas com uma pá cheia de dentes, expor a
ignomínia em praça pública e exigir reparação, quem sabe a que preço.
Mas, para o malogro de todo o
intento, o motor explodiu ali mesmo, sem forças para disparar. O outro carro já
ia pela outra esquina, salvo do risco do confronto, ainda com a pressa de antes
ou mais atento pelo menos.
O nosso amigo do carro avariado, no
entanto, sem justiça e sem reparo, estancou um metro adiante. A extensão do seu
corpo o impediu de passar pela segunda vez. Ficou entregue a olhares curiosos,
metade adesão, metade pena. Um vendedor ambulante que acompanhou a cena desde o
início e tinha uma memória de elefante, anotou a placa do meliante.
Eu, ao contrário, reparei que havia
sangue no asfalto, passei pelo retrovisor caído, margeei os cacos e atravessei
a rua.