sábado, 26 de julho de 2014

VIT[R]AL



Video de "Until the End", de Norah Jones


Escolheu Bach e aumentou o volume, em instantes a casa inteira foi tomada por uma suavidade imponente, se sentiu caminhando em uma catedral perpassada de sombras e corredores ocultos, com sol se pondo na janela. E não eram janelas, eram vitrais espalhando cores pelo ar rarefeito. E não era um quadro da última ceia, era mesa posta servindo corpo e sangue.

Chegou ao altar, ajoelhou-se, se integrou à música que se elevava.

Mas um ruído nos portões perturbou a metamorfose que se desdobrava entre as fibras finas do silêncio e penetrou pelas paredes, agora duras e pálidas.

Ofereceu um último instante ao calmo escuro do tempo para reabrir a derradeira fresta. Caminhou claro como uma aranha de jardim tateando o substrato antes de retornar à sonoridade áspera que irrompia do quase termo. 

sábado, 5 de julho de 2014

A SALA


Obra de Antonio Mora

 

A sala aos poucos se elevava na angústia branca das paredes, no horizonte sem relógios possíveis incapazes de traçar em seus arcos a nitidez das folhas ao vento. Em suas mãos a rosa não era mais de plástico, a permanência dos espinhos demarcava a embriaguez de uma possibilidade, sua existência calculada e reduzida.
O risco o reduzia, sim. O sufocava pelo medo de estar à beira de rumos e passagens através das quais nenhum ser humano ousou pular, de abismos vários que ser humano algum imaginou um dia ser.
A marca foi se tornando imperceptível, deflagrava sangue e minúcias de escuridão, voracidade circunscrita às camadas mais profundas do esquecimento. Preferia não lembrar porque sabia ter de aceitar na lembrança a distorção, seu aproximar-se pouco a pouco de outro modo, até vir o passar das horas e o levar. Seu destino, as ilusões e um desejo.