domingo, 28 de abril de 2013

UMA PRESENÇA


Entrou e iniciou a procura interdita por entre os corredores sinuosos. Alguns corredores cobertos de luz, outros na penumbra e outros, com o arrefecer do dia, não eram mais que um abismo entremeado por paredes cobertas de hera. Mas ele até aquele momento, não era feito de hera. Até aquele momento, em procura calma se surpreendia com o próprio arquejar, mal reparara que a porta se fechara atrás de circunvoluções e corredores, dos muros de procurar e se esconder.
Sentou no chão, pegou o primeiro livro. Era de um azul mortiço, páginas amarelas, como se o tempo o envolvesse com fina umidade. Contava uma perda, um certo Paulo perdia sua bagagem, ia de trem para um lugar distante. “As passagens no bolso o deixavam inerte, permaneceria à procura da mala, ou iniciaria viagem sem vínculos com a terra? Paulo estava preparado para ser o que sempre fora ou se encaminharia rumo à avassaladora ventania da viagem? Se ficasse onde estava aceitaria conscientemente o mesmo. Sua atitude era de servo frente ao oráculo. Dize-me o que devo fazer, que caminho tomar. Estou no fim de algo, isso sei, mas o querer de duas vidas que desejam existir vem acompanhado da morte de uma delas. Inerte, tinha um único minuto para decidir antes da partida”.
Estancou, fechou o livro. E o livro retorna ao muro de heras. Ele então percebe o esgueirar de sombras. Percebe que é necessário a presença de outras sombras. Segue, um vulto está ao lado no próximo corredor. 




Fotografia de Arash Ashkar

domingo, 21 de abril de 2013

GRAVURA


Intervenção Urbana de Cláudia Leão pertencente à série "Retratos" 



Vou contar o que há neste desenho, que é menos o que quer que seja e mais um estado de alma. Ele possui o lado direito indistinto de traços, que vão e se misturam em outros traços, perdendo seu destino sem saber para onde vão.
As pupilas se encontram divididas como os olhos o são, para que uma seja a verdade enquanto a outra a mentira de mim. Absolutas representações da sutil marca da essência que carrego. A sobrancelha do lado direito, que tenciona e se distende, é inteira convulsão e medo, em um só, abismo e conseqüente profusão de ausências. É apenas neste lado direito reverso de mim que alcanço o incêndio das pétalas.
Porém todos os olhos se voltam para a única face visível, a única face que preferem ver deste rosto. Exteriormente oca cravada de vultos e vagas penumbras de vozes ocultas.
Formas circulares a envolver os olhos falsamente construídos para parecer. Formas que se acabam na boca calada e de expressão contida, na ânsia de nada ser, nos óculos que restringem o espaço emoldurado de hesitações contíguo. Ainda assim, uma névoa repousa sobre o lado esquerdo da face, porque nem tudo se omite no cotidiano e a verdade agora é frágil emanação.


domingo, 14 de abril de 2013

O TIGRE INVISÍVEL


Max Martins




Eu encontro na minha voz a tua. Invocando o mar não sou estático, sou imenso. Assim tuas palavras ecoam em meu corpo como a mera passagem do rio provocando a aparente imobilidade do mundo.

Me penetras com sabres e sombras e eu gozo a tua presença.

Em minhas lides apodreço em tuas formas. Sinto teu membro rijo invadindo a pele, semeando a terra, cavando a tua maneira nos meus olhos, feito Carmencita regressando da areia.

Por um momento contemplo os teus sinais na minha claroscura percepção das coisas.

A salvo, eu sou a brevidade de um órgão que rumina. A minha presença turva se desfaz na travessia, eu me torno um estrangeiro que percorre a terra ávido pela Marahu que não encontra.








Há um mar, o dos velames,
das praias ardendo em ouro.

Há outro mar, o mar noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.

E afinal o outro, o do amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.

(AMARGO, Max Martins)



sábado, 6 de abril de 2013

FEL

Fotografia de Mariano Klautau Filho




O que você quer? Eu estou aqui há muito tempo sei do seu nome e dos precipícios todos que você já olhou com ganas de experimentar a queda.  O incomparável número de vezes que lhe vi debater-se no escuro.
Hoje você está duro e fraco. Desistiu no meio. Estacionou as forças na calçada, cheio de cicatrizes você quer o seu lugar na câmara dos comuns, beber sua dose de angústia diária no conforto do lar doméstico. Ouvir a voz dos amigos de sempre falar dos limites como se fossem eternos. Mas saber-se encaixado nesse perigoso vazio proporciona uma paz difícil de explicar. Você gostaria de estar de pé, como não pode se ajoelha e nem sente os joelhos arderem.
Os dias passam, você liga a TV, você aceita uma humilhação, você quer se encaixar nos estigmas da raça, eles são você. Em alguns momentos você pensa que antes tinha precipícios aonde se debruçar. E cala.


 "Hope there's someone", Antony & The Johnsons