domingo, 31 de março de 2013

OS OLHOS DA MÁSCARA


HomemÁrvore de Andara


Abra os olhos para ver as máscaras que estão dispersas. Tu as vês e não sabes de todas elas. Uma está a tua frente te encarando com olhos fundos que se fingem cegos.
É preciso abrir bem os olhos para perceber os sulcos e vales que se abrem na própria máscara. As alheias são mais fáceis de perceber, minto, são mais fáceis de suspeitar. Entretanto, não é delas que falas, elas são apenas imagens do meu discurso inerte em tua palavra.
Porque compreender que ao nosso redor o trágico e o cômico nos envolvem é possível. Mas o que propões é auscultar o mundo, saber suas origens, diluir as máscaras feitas em papel machê, encontrar as que estavam escondidas, saber-se perdido e desamparado em Andara.





Os Grandes Mestres

há uma qualidade que os homens ignoram: viver é
menos
Queda que a pedra da memória
e mais do que as serpentes reconhecem: O odor humano
Está
entre as estrelas morrendo nos seus sonhos
e a terra fria afagada contra o peito
antes de lançar um sol sobre as suas vítimas
Se isso se parece um pouco com as residências do mal
e com casas perdidas em si mesmas,
foram os Cálices da espécie que deram à vida a nutrição e os tumultos
Eu falo da invenção da sede
Porque o homem é o animal de areia que dá sentido às fontes do real
e quando a noite cai,
bebemos a água escura do ventre das mulheres

Mas vejam: o escorpião instalou as suas ferragens
O céu tem suas lágrimas em silêncio
O caracol da voz,
quando sussurra os enigmas da chuva,
sabe:
Quase nunca é tempo
Quase nunca é tempo
para o perfume do sangue
Quase nunca é tempo
de permanecer humano
Esses rios têm espelhos partidos, e tudo o que foi
submerso
é um caos perdido

(Vicente Franz Cecim, extraído de: http://www.culturapara.art.br/Literatura/vicentececim/obras1.htm)

domingo, 24 de março de 2013

DIÁLOGO ENTRE CASAS

Foto de Hélia Scheppa




Estou esses dias em silêncio, falando no escuro em voz baixa, olhando a janela do quarto à espera, tendo muito cuidado antes de virar à direita, antes de virar à esquerda, antes de seguir em frente.

O que acontece é que estou atento ao que está próximo, quase posso tocar o sentido do que desconheço, estou entregue ao nada e ele a mim. As malas estão prontas ao meu lado, logo deixarei essa casa de paredes de vidro e teto de papel como um lugar de onde se vai, ao mesmo tempo em que caminharei com ela atada às costas como um imponderável peso que se carrega.

sexta-feira, 8 de março de 2013

A ROSA, O MAR, O ESPELHO




Eu poderia estar diante de um espelho ou atravessando o mar. Nesses lugares não estaria somente, mas seria eu mesmo essas metáforas contundentes pelo fugidio instante de um poema de palavras simples e ritmadas escrito por Cecília Meireles.
Nela me transporto para um lugar de chão movediço, sei que tenho espinhos e me debato no escuro.
Não falo de abstrações, falo da experiência em contato com o corpo de Cecília, algo carnal e inesperado que envolve um mistério que nem é só dela, nem apenas meu. Andando pela cidade, ouvindo o barulho da chuva, pensava em escrever sobre ela. Sobre sua voz calma que penetrou em meus ouvidos e me feriu com o corte fino de um punhal de prata mostrando minhas dores e meus cansaços.
Chego em casa, a chuva cessou. Me sinto como um marinheiro que regressa e não sabe bem onde está porque conhece somente os mares que visitou e que tornaram mais profundos seus olhos.


4º Motivo da Rosa

Não te aflija com a pétala que voa:
também é ser deixar de ser assim.

Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando em mim.

E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

(Cecília Meireles, Mar absoluto e outros poemas)