|
Fotografia de Max Dupain |
Como uma oração feita em silêncio,
num canto escuro do quarto de olhos fechados mirando um infinito cheio de
nuvens brancas e de marulho do mar, sou eu quem me traio todas as vezes.
Considero que as paredes não têm buracos perfeitos porque mal dá para ver o
outro lado.
Estou ficando cego, uma luz fina se
move rapidamente de um lado para o outro. O aroma doce, o toque áspero, o
barulho perturbador dos carros que vêm de fora são como aquela luz vindo de uma
direção oposta à qualquer premonição.
As sensações vêm do nada rumo ao
vazio inexplicável.
Logo eu que aprendi a ver com o
corpo inteiro estou nu, recitando um poema de olhos fechados.
Pedem-me um poema
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo,
como imaginar Picasso cego?
Um poema se faz se vendo,
um poema se faz para a vista,
como fazer o poema ditado
sem vê-lo na folha inescrita?
Poema é composição,
mesmo da coisa vivida,
um poema é o que se arruma,
dentro da desarrumada vida.
Por exemplo, é como um rio,
por exemplo, um Capibaribe,
em suas margens domado
para chegar ao Recife.
Onde com o Beberibe,
com o Tejipió, Jaboatão
para fazer o Atlântico,
todos se juntam a mão.
Poema é coisa de ver,
é coisa sobre um espaço,
como se vê um Franz Weissman,
como não se ouve um quadrado.
Pedem-me um poema - JOÃO CABRAL DE MELO NETO
No sé cuál
es la cara que me mira
cuando
miro la cara del espejo;
no sé qué
anciano acecha en su reflejo
con
silenciosa y ya cansada ira.
Lento en
mi sombra, con la mano exploro
mis
invisibles rasgos. Un destello
me
alcanza. He vislumbrado tu cabello
que es de
ceniza o es aún de oro.
Repito que
he perdido solamente
la vana
superficie de las cosas.
El
consuelo es de Milton y es valiente,
Pero
pienso en las letras y en las rosas.
Pienso que
si pudiera ver mi cara
sabría
quién soy en esta tarde rara.
Un ciego -
JORGE LUIS BORGES