domingo, 27 de outubro de 2013

CASA VAZIA

Foto de Jimena Almarza



Um homem estava dentro de uma casa vazia. Dentro dela havia apenas um espelho.  Em frente da casa passava um rio turbulento de águas escuras. Ao redor se levantava uma grande floresta que cobria o céu.
O homem perguntou para o espelho: O que faço se não tenho para onde ir?
O espelho fez um rosto inquiridor e lhe respondeu: Por que não ficas e enche essa casa com a tua presença?
Porque os dias aqui são opressores, o homem falou. Então o espelho lhe disse: Se tu saires desse recinto a casa ficará, mas não retornarás a ela.
O homem que tinha todas as portas fechadas fez uma última pergunta ao espelho: Para onde retornarei se os animais da terra e do rio vierem sobre mim?
O espelho fechou os olhos e antes de responder a ausência já ocupava todo o espaço de sua moldura.



domingo, 20 de outubro de 2013

EM MEIO AO CORPO


Instalação Performativa "Corpo Sincrético"


Preparo-me para as águas grandes. Muito antes do que imaginei serei imersa em fogo líquido. O estágio de queima começou.
(Rosilene Cordeiro)

Eu pertenço a esse lugar.
Quantas linguagens escorrem da tua boca?
De todas elas eu prefiro teu claroescuro revelador, coberto de sementes.

Os tambores riscam a minha pele de danças, assovios e canto.

O meu corpo é teu
e meu
(Só então o sacrifício não será vão)

Dos meus olhos escorrerá o leite que inundará a nossa cama
Nossa cama, então, coberta de leite, nos cobrirá sem medo algum,
Como ao fim de tudo,
quando decido sair de nós
e tu me permites seguir pelo deserto, só.


domingo, 13 de outubro de 2013

TODO O RIO DESCOBRE UM PASSO


Foto de Alexandre Romariz Sequeira


(Caminha até a janela, enxerga no visitante uma parte de si, por isso fala)

Ando recolhendo lembranças como um desesperado procura a próprio rosto pendurado em paredes, no vidro de carros, em cacos mudos no chão.
Eu também tenho meus pesadelos e tenho tentado conviver com eles como qualquer outro. Às vezes acordo no meio da noite para ligar a luz do quarto.

(O som dos carros se adensa, o visitante pede uma água e se senta novamente)

Ando profetizando nas esquinas um novo horizonte, um outro olhar, mais limpo, uma possibilidade que reste. Escrevo cartas de amor sem muros para ti que me visita, mas se desfazem todas no teu olhar vadio e fugaz.
Esse poema é muito difícil? E se você não esperar entendê-lo, e se ele for um mergulho vertical dentro da tua própria vida?

(O visitante se inquieta, atravessa a parede e o deixa sozinho outra vez escutando a própria voz agora em pensamento)

Meu último poema provavelmente terá a cor das tuas águas, de um verde-claro selvagem. Mas nesse momento desenho os mapas da minha própria geografia, recompondo partes de mim que já nasceram dispersas no poente,
E ainda assim, nunca estarei inteiro.