Ele estava no meio da praça tentando desenhar
sorriso no rosto das crianças. De repente um vento soprou com mais força, ele
sentiu folhas secas riscando-lhe a face e, sem perceber, o contorno vermelho em
sua boca escureceu.
Algumas crianças se foram, outras se distraíram com
seus brinquedos e assim, mais rápido do que poderia imaginar ele virou uma
sombra por entre pessoas comuns, num domingo fugaz.
Percebeu que não pode tecer a realidade com grãos de
areia. E o peso o afogou em brasa. Vagou pelos coretos e pelas estátuas de
bronze que estranhamente fogem da chuva. Não encontrou seu riso em lugar algum.
Copo trincado na superfície, sentidos que se
encontram na rotina. Suspensas, as muralhas são incapazes de encobrir aquele
que dormita. Os sons a se elevarem até a última altura são o anúncio da
esterilidade dos caminhos. Recriação contínua do diverso, imaginação emoldurada
no abismo, conhecimento que não ultrapassa o lado oposto dos termos, maneira
irreversível do olhar, o medo.
Iguais repostas se constituem dispersas na
umidade respirável, no surgimento e fenecer do toque, nas aspirações em segredo
da pedra. Ao brotar da luz no peito, CUIDADO! – a próxima palavra pode surgir
banal e ferir. Ameaçadores permanecem e se consomem até as retinas, ou em
direção ao nada, às ocas manifestações refletidas num acréscimo desmesurado das
horas.
Pelas ruas, os carros, exército de metal que
avança rumo a um desconhecido ponto, a fuga. Oscilação de vínculos na vertigem
a espraiar-se contra ondas.
As palavras acorrentam...
Libertam?
A observar toda a sensualidade presente no
passar. Tocar e perceber inteiramente no real o cerne do silêncio, no tempo as
flores e o aroma da flor. Qualidade rara no lugar onde os objetos são cobertos
pela palavra entreaberta.
O mundo é o medo da hora imperceptível que
fenece, fluídica qualidade que recebe do tempo.
Acentuada solidão, apenas mais um motivo; sendo o da angústia o nome
próprio das coisas que provocam um movimento excessivo do espírito.
Na distensão constante e total para o
infinito prepondera a sua essência, palavra conjugada ao irreversível que em
tudo aprisiona em sua verdade, seguir. A vida encarcerada é o limite que o
espírito permite nomear.
Por quê?
E por que não?
Fora da gaiola das hesitações absoluta é a
existência do crepúsculo, a morte, a luz que se desprende inteiramente do
instante. A leveza do todo a se deixar tocar é surpreendente e oblíqua.
A imagem no espelho é o reflexo da ilusão
sentida, para que depois das fronteiras a liberdade amalgamada na aridez
angustiada da palavra se dissipe.
Em torno de suas mãos frias
ardia-lhe o peito. Buscava ar lá aonde os olhos não alcançavam. Ele gostaria de
dizer a ela mais uma palavra que fosse antes que tudo terminasse. Ela se foi
como um vaso quebrado e com seus segredos perdidos dentro da caixa. As amigas
dele viriam a qualquer momento para amparar-lhe. Por enquanto mergulhava as
lembranças no fundo rio que a sua frente se abria em águas marrons.
Sua irmã não lhe permitiu
participar dos rituais de sepultamento. Ele fora banido há muito tempo daquela
casa. Alguns minutos atrás ele irrompera em meio ao escândalo dos presentes para
vê-la ao menos. Ela sob uma aparência cálida guardava um silêncio que parecia
só dela. Logo foi obrigado a deixar o lugar, preferiu que assim o fosse.
Seus cabelos se debruçavam no
vento, uma chuva fina começou a cair na orla. A imagem dela deitada sobre
flores era de uma paz que parecia impossível de lembrar. No encontro da
correnteza com o céu apagado ele buscava os dias de reparação que não vieram.
Fotos de Alla Mirovskaya para a série "Distant and Close"
Ela depositava naquelas palavras toda a sua
esperança, toda a sua vida. Seu dedo deslizava sobre o papel e a certeza da
palavra escrita à sua frente abafava-lhe o grito.
Devastadora como uma torrente de rio represado ela
queria levar a quem quer que fosse a sua esperança, a sua vida, para
abafar-lhes o grito e guiar-lhes a consciência.
Ela andava certa de cada passo, de modo retilíneo e
nessa direção caminhava, mas se perdia. Cuidava para que seu canto diário não se
detivesse e assim vigiava a porta da casa para que a dúvida não lhe assaltasse
de noite, nem lhe surpreendesse ao meio dia.
Ela era frágil, segurava-se com cuidado nos
corrimões e mantinha-se de pé com dificuldade. Ela estava no outro extremo
buscando agarrar-se a cada grão que flutuasse no vento. Ela queria respirar,
mas conseguia fazê-lo apenas quando comunicava ao ato demasiado esforço.
Até que um dia o livro caiu de sua mão num momento
de profunda emotividade, então uma página se desprendeu. Ela estava numa
pregação com enfermos. Uma sutil inquietação a confrangeu. Foi ao chão,
recobrou a folha do livro e logo voltou a falar de toda a grandeza que cabia
entre seus dedos - interrompia outro grito de desespero e como um bicho acuado
voltava a se esconder entre folhas amarelecidas.