domingo, 26 de maio de 2013

PERDIDO EM NUVEM BRANCA

Foto de Eolo Perfido


Ele estava no meio da praça tentando desenhar sorriso no rosto das crianças. De repente um vento soprou com mais força, ele sentiu folhas secas riscando-lhe a face e, sem perceber, o contorno vermelho em sua boca escureceu.
Algumas crianças se foram, outras se distraíram com seus brinquedos e assim, mais rápido do que poderia imaginar ele virou uma sombra por entre pessoas comuns, num domingo fugaz.

Percebeu que não pode tecer a realidade com grãos de areia. E o peso o afogou em brasa. Vagou pelos coretos e pelas estátuas de bronze que estranhamente fogem da chuva. Não encontrou seu riso em lugar algum.

domingo, 19 de maio de 2013

OS ARGUMENTOS DA FERA


Foto de Eikoh Hosoe



Copo trincado na superfície, sentidos que se encontram na rotina. Suspensas, as muralhas são incapazes de encobrir aquele que dormita. Os sons a se elevarem até a última altura são o anúncio da esterilidade dos caminhos. Recriação contínua do diverso, imaginação emoldurada no abismo, conhecimento que não ultrapassa o lado oposto dos termos, maneira irreversível do olhar, o medo.
Iguais repostas se constituem dispersas na umidade respirável, no surgimento e fenecer do toque, nas aspirações em segredo da pedra. Ao brotar da luz no peito, CUIDADO! – a próxima palavra pode surgir banal e ferir. Ameaçadores permanecem e se consomem até as retinas, ou em direção ao nada, às ocas manifestações refletidas num acréscimo desmesurado das horas.
Pelas ruas, os carros, exército de metal que avança rumo a um desconhecido ponto, a fuga. Oscilação de vínculos na vertigem a espraiar-se contra ondas.
As palavras acorrentam...
Libertam?
A observar toda a sensualidade presente no passar. Tocar e perceber inteiramente no real o cerne do silêncio, no tempo as flores e o aroma da flor. Qualidade rara no lugar onde os objetos são cobertos pela palavra entreaberta.
O mundo é o medo da hora imperceptível que fenece, fluídica qualidade que recebe do tempo.  Acentuada solidão, apenas mais um motivo; sendo o da angústia o nome próprio das coisas que provocam um movimento excessivo do espírito.
Na distensão constante e total para o infinito prepondera a sua essência, palavra conjugada ao irreversível que em tudo aprisiona em sua verdade, seguir. A vida encarcerada é o limite que o espírito permite nomear.
Por quê?
E por que não?
Fora da gaiola das hesitações absoluta é a existência do crepúsculo, a morte, a luz que se desprende inteiramente do instante. A leveza do todo a se deixar tocar é surpreendente e oblíqua.
A imagem no espelho é o reflexo da ilusão sentida, para que depois das fronteiras a liberdade amalgamada na aridez angustiada da palavra se dissipe.




domingo, 12 de maio de 2013

O VÔMITO DAS MARÉS

Foto de Arash Ashkar





Em torno de suas mãos frias ardia-lhe o peito. Buscava ar lá aonde os olhos não alcançavam. Ele gostaria de dizer a ela mais uma palavra que fosse antes que tudo terminasse. Ela se foi como um vaso quebrado e com seus segredos perdidos dentro da caixa. As amigas dele viriam a qualquer momento para amparar-lhe. Por enquanto mergulhava as lembranças no fundo rio que a sua frente se abria em águas marrons.
Sua irmã não lhe permitiu participar dos rituais de sepultamento. Ele fora banido há muito tempo daquela casa. Alguns minutos atrás ele irrompera em meio ao escândalo dos presentes para vê-la ao menos. Ela sob uma aparência cálida guardava um silêncio que parecia só dela. Logo foi obrigado a deixar o lugar, preferiu que assim o fosse.
Seus cabelos se debruçavam no vento, uma chuva fina começou a cair na orla. A imagem dela deitada sobre flores era de uma paz que parecia impossível de lembrar. No encontro da correnteza com o céu apagado ele buscava os dias de reparação que não vieram.


domingo, 5 de maio de 2013

CÁRCERE DE VIDRO




Fotos de Alla Mirovskaya para a série "Distant and Close"



Ela depositava naquelas palavras toda a sua esperança, toda a sua vida. Seu dedo deslizava sobre o papel e a certeza da palavra escrita à sua frente abafava-lhe o grito.
Devastadora como uma torrente de rio represado ela queria levar a quem quer que fosse a sua esperança, a sua vida, para abafar-lhes o grito e guiar-lhes a consciência.
Ela andava certa de cada passo, de modo retilíneo e nessa direção caminhava, mas se perdia. Cuidava para que seu canto diário não se detivesse e assim vigiava a porta da casa para que a dúvida não lhe assaltasse de noite, nem lhe surpreendesse ao meio dia.
Ela era frágil, segurava-se com cuidado nos corrimões e mantinha-se de pé com dificuldade. Ela estava no outro extremo buscando agarrar-se a cada grão que flutuasse no vento. Ela queria respirar, mas conseguia fazê-lo apenas quando comunicava ao ato demasiado esforço.
Até que um dia o livro caiu de sua mão num momento de profunda emotividade, então uma página se desprendeu. Ela estava numa pregação com enfermos. Uma sutil inquietação a confrangeu. Foi ao chão, recobrou a folha do livro e logo voltou a falar de toda a grandeza que cabia entre seus dedos - interrompia outro grito de desespero e como um bicho acuado voltava a se esconder entre folhas amarelecidas.