sábado, 15 de novembro de 2014

A EXTENSÃO DO CORPO

Obra de Peter Gibson, também conhecido como Roadsworth


Tudo começou quando estava displicentemente alcançando a faixa para atravessar a rua. Rápido, um carro esgueirou-se no outro que estava prestes a deixar a vaga. Óbvio que essa proximidade entre os veículos não podia ser saudável para ambos. O carro que passou, levou consigo o retrovisor do que se preparava para deixar a vaga. Não informei antes, mas da posição em que me encontrava podia ver o condutor do carro que saia da vaga, por isso consegui perceber a mudança nas feições do rosto. Em poucos segundos, uma aparência comum, quase transparente, como a de muitas pessoas que passam por nós, se transformou em linhas emaranhadas e toque áspero.
O objetivo era claro, alcançar o carro que lhe havia extraído um órgão, sem anestesia nem consentimento. Pegá-lo na esquina, cavar-lhe as entranhas com uma pá cheia de dentes, expor a ignomínia em praça pública e exigir reparação, quem sabe a que preço.
Mas, para o malogro de todo o intento, o motor explodiu ali mesmo, sem forças para disparar. O outro carro já ia pela outra esquina, salvo do risco do confronto, ainda com a pressa de antes ou mais atento pelo menos.
O nosso amigo do carro avariado, no entanto, sem justiça e sem reparo, estancou um metro adiante. A extensão do seu corpo o impediu de passar pela segunda vez. Ficou entregue a olhares curiosos, metade adesão, metade pena. Um vendedor ambulante que acompanhou a cena desde o início e tinha uma memória de elefante, anotou a placa do meliante.
Eu, ao contrário, reparei que havia sangue no asfalto, passei pelo retrovisor caído, margeei os cacos e atravessei a rua.


sábado, 8 de novembro de 2014

ABALO

Superfície, Leo de Carvalho




Falo toca o húmus
                                                                         iridescente

Cheio de terra  
                   
                   Alo rompe
                 Casco fende
     e com um novo galho
cavo o rés do chão