domingo, 22 de dezembro de 2013

UMA ASA OU UMA CAIXA

Fotografia de Max Dupain



Como uma oração feita em silêncio, num canto escuro do quarto de olhos fechados mirando um infinito cheio de nuvens brancas e de marulho do mar, sou eu quem me traio todas as vezes. Considero que as paredes não têm buracos perfeitos porque mal dá para ver o outro lado.
Estou ficando cego, uma luz fina se move rapidamente de um lado para o outro. O aroma doce, o toque áspero, o barulho perturbador dos carros que vêm de fora são como aquela luz vindo de uma direção oposta à qualquer premonição.
As sensações vêm do nada rumo ao vazio inexplicável.
Logo eu que aprendi a ver com o corpo inteiro estou nu, recitando um poema de olhos fechados.

  

Pedem-me um poema
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo,
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz se vendo,
um poema se faz para a vista,
como fazer o poema ditado
sem vê-lo na folha inescrita?

Poema é composição,
mesmo da coisa vivida,
um poema é o que se arruma,
dentro da desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,
por exemplo, um Capibaribe,
em suas margens domado
para chegar ao Recife.

Onde com o Beberibe,
com o Tejipió, Jaboatão
para fazer o Atlântico,
todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,
é coisa sobre um espaço,
como se vê um Franz Weissman,
como não se ouve um quadrado.

Pedem-me um poema - JOÃO CABRAL DE MELO NETO



No sé cuál es la cara que me mira
cuando miro la cara del espejo;
no sé qué anciano acecha en su reflejo
con silenciosa y ya cansada ira.

Lento en mi sombra, con la mano exploro
mis invisibles rasgos. Un destello
me alcanza. He vislumbrado tu cabello
que es de ceniza o es aún de oro.

Repito que he perdido solamente
la vana superficie de las cosas.
El consuelo es de Milton y es valiente,

Pero pienso en las letras y en las rosas.
Pienso que si pudiera ver mi cara
sabría quién soy en esta tarde rara.

Un ciego - JORGE LUIS BORGES



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