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Assistindo a novela das 9, me
deparei com uma personagem que definitivamente faz parte das narrativas
cotidianas que me rodeiam. Entenda-se por narrativas cotidianas aquelas
histórias que chegam até nós pela voz de outros, amigos, parentes, conhecidos.
Ela é a tia Cora. Sempre me falaram de presenças incômodas e espíritos
opressivos, que não precisam estar necessariamente desencarnados para oprimir.
Algo parecido me veio à mente ontem
quando assistia a um capítulo, que talvez fosse só mais um capítulo de novela.
Mesmo que você não acompanhe diariamente o folhetim, é difícil não se deliciar
com os elementos que fazem a tia Cora transbordar negatividade. A começar pelo
cenário, mesmo habitando o núcleo pobre da novela, a tia Cora consegue salvar o
raso com a profundidade. O lugar simples, com relevo aos matizes de cinza e à
obscuridade, dá um acento a mais aos diálogos entre tia e sobrinha.
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Sempre com uma palavra oculta, um
duplo sentido bem colocado ou uma resposta maliciosa a personagem se esgueira
pelos cantos para ouvir onde não é chamada e se torna especialista em jogar a
sobrinha pra baixo. A sobrinha poderia ser considerada um outro elemento desse
contexto, lembrando que as mocinhas são quase irrelevantes para o interesse das
histórias. Assim, nesse caso, como em todos os outros, a mocinha ajuda a vilã a
se sobressair. E mesmo um inocente bom
dia, se sai da boca de uma Cora, pode ser suficiente para trazer peso a um
instante de leveza ou quebrar uma fugaz alegria.
A sobrinha nesse caso somos nós, seguindo
distraidamente e a tia Cora é a pedra que de maneira dissimulada atravessa nosso
caminho a fim de nos derrubar. E muitas vezes consegue.
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Se o perigo é iminente, então como transpor
a Cora que está sempre à espreita para abalar os nossos dias, que sem ela já
são suficientemente complicados. Quem sabe o conselho da parábola bíblica, “orai
e vigiai”, seja a única saída possível, uma vez que, como a Hidra de Lerna, uma
outra Cora, ou uma outra cabeça, pode surgir no lugar que acreditávamos livre. Quem
sabe não haja resposta para esse fato. No mundo que pressupõe o risco, a
simples atitude de virar a esquina e manter diálogo breve com um desconhecido (ou
com um conhecido mesmo) pode fazer com que nos deparemos com uma Cora
escondida. Acho que a melhor saída está em ser menos mocinha e ter olhos para
ver antes do último capítulo.
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