sexta-feira, 21 de junho de 2013

VÉU COR CINZA-ESCURO

Em pesar pela morte do estudante Marcos Delefrate de 18 anos, morto em protesto.



Silêncio e tepidez a envolviam e transferiam à sua forma uma individualidade quase flutuante. De pé em frente à janela, poderia abraçá-la e envolver toda a sua extensão de brisa e carícia na pele. A suavidade feminina do vento valeria a vasta vida do instante. Ao sabor da manhã, a cortina descrevia movimentos delicados no espaço assim como seu vestido, como sua alma em melancolia, calma e amanhecer.
As cortinas que ela não afastou, filtravam a parca luz de um início. Delas secretamente dimanava sussurros de promessas, a de que além há um lugar que se levanta e aos poucos se liberta da zona de indistinção do breu. Nelas, figuras em ramificações a se alargar e distender, véu cinza de irrupção taciturna. Ímpeto absoluto de sutil mundividência medida no espaço curto da manhã que se levanta. Brasa e incêndio suscitaram a ilusão de uma realidade recuada se estendendo a sua frente. E era assim, momento em que inteira esteve entregue à cinza e aos galhos secos.
Em seus olhos, as pupilas dilatadas envoltas em fundas covas na face eram a imitação da ânsia e de abismos, sugeriam um apelo que se perdeu. Estavam quase levantados, semi-observando algo, talvez fosse a dor que se viu em sangue consumada e que o passado trouxe até ali. Piscavam por um instante os olhos. Parte de si ausência, a outra parte solidão, ia tecendo o instante na palidez da manhã. A serenidade da luz revelava a secreta plenitude do mistério, consciência do mais intrínseco estado que era seu. A limpidez que agora prova era uma certa qualidade metamorfoseada, indistinta luminosidade. A sentir em cada parte o corpo quebrantado, em cada lágrima a confirmação de um destino e no quarto inteiro o som opaco do relógio. Voltava repleta de cinza ainda imersa em massa entorpecida, motivo pelo qual ainda se negava ao tom suave das palavras.
A rua estreita seria o cenário do mundo se pudesse conter a sensação que a oprimia. Estava parada de pé, atrás de si uma rosa branca, expectante, chave para a primeira descoberta. Acompanhava o destino da íntima possibilidade ceifada, a pétala de perigo dos espinhos, colhida em jardim alheio, já encontrava seu repouso em um vaso de vidro. Nenhuma pétala decaída, fresca, aguardava o próximo movimento. Extasiada do impossível, cadafalso de cores destoantes, completava a sua existência de pé em frente à janela.

Enquanto isso, em um vaso de vidro a rosa filtra em pétalas de ausência a luz.


Nenhum comentário:

Postar um comentário