domingo, 24 de novembro de 2013

A NECESSIDADE SUTIL DA MORTE


Imagem do documentário "Manifesto Macumbacyber"



A sabedoria está na cor dos olhos. Ele estava incapaz de discernir entre as sensações na pele por excesso de êxtase. Seria um final aparente de um aparente arfar contrito do peito.
Contemplou a sala vazia e a sua vida como se dera até ali, metade fosso, a outra metade as próprias divagações – transporia o muro, seria algo mais profundo que o negro, tornaria-se uma profundidade torturante, inteiro.
Ele pouco a pouco se perdia, não reencontraria-se na senda, suavemente deposto, suavemente banido pela rosa e pela inclemência dos espinhos. A sala vazia, o mundo apagou-se, as cadeiras à frente estendidas num campo de vaidades sutil. Se levantaria e construiria o novo, o algo que se conjugasse às sensações de si pelo mover-se do momento - não, impossível seria erigir algo diferente, além do íntimo ser.
Estava cansado, e as sombras acentuavam ainda mais a aparência extenuada de seus vícios, paixões em pulsação plena pelo corpo, prazeres confundidos com as intermitências do fosso. Estava ali como esteve em outros lugares de recordação hesitante, à beira de palpáveis horizontes, como fora anterior ao surgimento das hostes que o honrariam na batalha.
Era limitado, era repleto de curvas seu caráter, e a consciência do poder absoluto que aquela certeza possuía o impulsionava ao sangue derramado sobre as cadeiras próximas. Mas o imo líquido não sobressairia em contraste com a quantidade de cadeiras revestidas em couro negro, sua vida, sucessão interrompida de sentidos a espraiar-se.
Morreria, aos poucos e só, como numa câmara escura, abrangeria na proximidade daquela profecia todo o espaço num abraço inteiro de dúvida. Seu orgulho íntimo, poder morrer sangrando - finda a vida, findo o ar e o peso contido no ar -, aspirar o cheiro coagulado do vermelho. Ambição acima das outras, inclusive das que trouxera para compartilhar da fugacidade do minuto.
Preso ao movimento dos olhos voltados para o teto, o que restava ainda ser riscado? O que caberia de compreensível na imensidão tonitruante do universo? Possivelmente a noite era sustentáculo da sua necessidade inútil de ausências, fraternidade sensível entre ele e a una certeza presente na sala.
Amplo, de tonalidade soturna e incongruências várias, seu coração quase não aguenta mais - a calma. Logo virá um despertar.
Não, ele não poderia estar só. Agora, morto, na extensão da palma da mão um líquido viscoso, um escorrer sobre tudo, uma imensa visão.


Manifesto Macumbacyber


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