Foto de Francesco Sambo |
Tento
manter os olhos abertos. A mesa está posta, eu sentado numa ponta, a senhora na
outra. A janela fechada, um vaso sem flor. Já não sinto parte do meu corpo, estou
inerte, sinto o suficiente para me incomodar com a boca seca e perceber os
ombros levemente contraídos.
E te avisei
que isso de acreditar demais era perigoso, eu falei à tua surdez que o sagrado
é um risco de olhos fechados. Eu te lembrei quando me culpavas e me perseguias
que a tua fé era de separar.
Quando os
vizinhos perguntavam eu respondia que estavas bem, que estavas doente, que a
tua vida agora era de reclusão. Mas tudo
isso não foi de repente. Tu conhecias a mim, eu conhecia a ti, o confronto era
iminente.
Num dia sem
portas nem janelas, sem crucifixos ou redomas eu cavei as tuas entranhas, eu
preparei o jantar, só eu acordei no outro dia. Tu me fizeste estar aqui hoje, depois de
sofrer essa dor fina que incomoda cada vez mais. Por anos segurei teu peso.
Meus olhos
querem fechar. Talvez aguente um pouco mais. Quanto durará até que nos encontrem
em nossa última refeição?
Nesse
momento em que tudo é abismo, me pergunto se o perdão ainda virá reparar nossas
angústias.
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