sábado, 11 de janeiro de 2014

AMOR

Foto de Francesco Sambo


Tento manter os olhos abertos. A mesa está posta, eu sentado numa ponta, a senhora na outra. A janela fechada, um vaso sem flor. Já não sinto parte do meu corpo, estou inerte, sinto o suficiente para me incomodar com a boca seca e perceber os ombros levemente contraídos.
E te avisei que isso de acreditar demais era perigoso, eu falei à tua surdez que o sagrado é um risco de olhos fechados. Eu te lembrei quando me culpavas e me perseguias que a tua fé era de separar.
Quando os vizinhos perguntavam eu respondia que estavas bem, que estavas doente, que a tua vida agora era de reclusão.  Mas tudo isso não foi de repente. Tu conhecias a mim, eu conhecia a ti, o confronto era iminente.
Num dia sem portas nem janelas, sem crucifixos ou redomas eu cavei as tuas entranhas, eu preparei o jantar, só eu acordei no outro dia. Tu me fizeste estar aqui hoje, depois de sofrer essa dor fina que incomoda cada vez mais. Por anos segurei teu peso.
Meus olhos querem fechar. Talvez aguente um pouco mais. Quanto durará até que nos encontrem em nossa última refeição?
Nesse momento em que tudo é abismo, me pergunto se o perdão ainda virá reparar nossas angústias.   


Nenhum comentário:

Postar um comentário